Inspirada em polêmica nacional, proposta veta uso de verba pública em shows que glorifique o crime ou drogas
A Câmara Municipal de Campo Grande aprovou nesta terça-feira (15) a Lei 11.572/25, popularmente apelidada de “Lei anti-Oruam”, que proíbe o uso de recursos públicos para a contratação de artistas e eventos que façam apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas
O projeto, de autoria do vereador André Salineiro (PL), passou com aprovação unanime na Casa e foi motivado por uma onda de discussões que ganhou repercussão nacional após o sucesso do rapper Oruam, nome artístico de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, filho do traficante Marcinho VP, líder da facção criminosa Comando Vermelho. O artista, que já esteve no topo do Spotify Brasil, é conhecido por músicas que fazem referência à vida no crime, ao uso de drogas e à exaltação de figuras ligadas ao narcotráfico.
“É proibir a utilização de recursos públicos para contratação de artistas, shows que fazem apologia à droga ou crime. Basicamente é isso aí. Se a pessoa quiser fazer com dinheiro privado, tudo bem. Agora com dinheiro público não vai ser permitido”, justificou o autor do projeto
Ao ser questionado se a lei poderia atingir também músicas de outros gêneros populares, como o sertanejo que tradicionalmente tem letras de músicas que incentivam o consumo de bebidas alcoólicas, o vereador fez distinções.
“Algumas músicas do sertanejo falam sobre festas, bebedeiras. Isso pode ser questionável do ponto de vista moral, mas não é crime. O que essa lei veda é o estímulo direto à prática de crimes, como fumar maconha, assassinar policiais, fazer apologia a facções. Se qualquer música, independentemente do estilo — seja funk, rap ou sertanejo — incitar algo ilegal, aí sim se enquadra. O foco é o conteúdo criminoso, não o gênero musical”, afirmou Salineiro.
A nova legislação determina que a Prefeitura de Campo Grande — bem como qualquer entidade pública municipal, direta ou indireta — não poderá apoiar, contratar ou promover eventos com artistas cujas apresentações promovam práticas criminosas ou uso de entorpecentes, especialmente quando envolvam menores de 18 anos
A lei ainda exige que, em contratos com artistas e empresas para eventos financiados com verba pública, seja inserida uma cláusula expressa de vedação à apologia ao crime ou às drogas. O descumprimento da cláusula levará à rescisão automática do contrato e à aplicação de multa equivalente a 100% do valor pago, além de outras sanções administrativas. Qualquer cidadão poderá denunciar violações à lei através da Ouvidoria do Município ou outro canal oficial que será definido por regulamentação futura.
Durante a tramitação, a vereadora Luiza Ribeiro (PT) propôs emendas que buscavam incluir na legislação obrigações mais amplas do poder público quanto à prevenção da violência e exploração infantojuvenil. Entre as sugestões estavam medidas concretas como programas de combate ao uso de drogas nas escolas e em atividades culturais, bem como o fortalecimento de políticas de proteção à infância. As emendas, no entanto, foram rejeitadas pela maioria dos parlamentares.
“Se é pra proteger as crianças, que seja de forma efetiva — e não apenas uma norma que já existe no âmbito federal. O projeto não traz novidade jurídica real, mas pode ter efeito prático se for bem fiscalizado”, disse a vereadora, que apesar das críticas, votou favoravelmente ao texto final.
“Lei anti-Oruam” em contexto nacional – Esse tipo de iniciativa legislativa tem ganhado força em diversas cidades brasileiras desde que o nome do rapper Oruam passou a circular em meio a debates sobre a influência de letras musicais na formação de jovens e no estímulo a condutas criminosas. A polêmica se agravou com a descoberta de tatuagens do cantor em homenagem ao pai, Marcinho VP, e ao traficante Elias Maluco, condenado pelo assassinato do jornalista Tim Lopes.
Apesar disso, nenhuma condenação criminal recai sobre o artista, o que levanta um dilema entre liberdade de expressão artística e o papel do Estado na promoção de conteúdo responsável, especialmente quando envolve verbas públicas e público infantojuvenil. Com a nova legislação, Campo Grande se junta a outras cidades brasileiras que optaram por adotar normas semelhantes.